quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Fuga fatal

Hilda não aguentava mais o cativeiro. Estava inquieta, era difícil controlar a ansiedade. Seria naquele dia. Não ia mais esperar.

Veio Marcelino, seu acompanhante de anos, levá-la para mais uma refeição. Não comia nem tomava banho sozinha, era permanentemente vigiada. Ignorava os olhares e os assédios. Fazer as necessidades em público era algo tão natural quanto tomar banho de sol.

Marcelino distraiu-se. Hilda, num impulso suicida, correu contra o portão e conseguiu quebrá-lo. Liberdade, enfim! Correu, correu, correu descontroladamente, sem olhar para trás, sem olhar para os 40 anos de prisão que estava deixando para trás.

De repente uma luz. Uma buzina. Um freio. Um impacto.

Hilda sentiu a frieza do chão contra seu enorme corpo. Gritos de desespero vinham do veículo que fora de encontro a ela. Estava tonta, cheia de dor. Não conseguiu se comunicar, e mesmo que conseguisse talvez não a entendessem, ninguém ali falava sua língua. Mesmo as expressões do seu rosto eram indecifráveis.

Finalmente o conforto chegou. Dormência. Escuridão total. Silêncio.

Do ônibus que a atingira, só o motorista não resistiu. Os passageiros sobreviveram para verificar, chocados, ter sido Hilda, elefante de cinco toneladas que fugiu do Circo Union, a responsável pela tragédia.

2 comentários:

Aline Barbosa disse...

Muuuuito bom! Adorei como vc fez o texto... Mesmo!

Bjão!
\o7

Eliana Mara Chiossi disse...

Nanda, teu texto confirma uma das coisas que disse na aula, sobre as crônicas, enquanto gênero, serem textos que permitem uma liberdade incrível e que permitem inserir muito lirismo.
Tua crônica tem uma densidade que ultrapassa o mero relato de um fato.

Abracinhos felizes!