quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Poesias

Nossa última aula de Oficina foi sobre a escrita poética. Foi uma aula difícil pra mim. Meu relacionamento com a poesia nunca foi dos melhores. Eu gosto dela, algumas vezes já chegou a me emocionar profundamente, até já me animei e postei um trechinho de uma que gosto aqui no blog... Mas a verdade é que às vezes, dependendo da poesia, a dificuldade que sinto em entendê-la e interpretá-la é tão grande que a frustração me arrasta para leituras mais amigas. Insensível? Não. Apenas nunca me dediquei muito a esta arte e sou racional o suficiente para não processar certas abstrações.

Mas os racionais também podem ser sensíveis e têm boa vontade. É por isso que hoje estou aqui, com muito esforço, para falar sobre poesia. E na minha busca sobre o que escrever, foi com muita surpresa e felicidade que reencontrei este conhecido poema de Nicolas Behr, que fez parte de minha adolescência e que eu acabei perdendo no meio de tantas outras palavras:


Receita

Ingredientes:


2 conflitos de gerações

4 esperanças perdidas
3 litros de sangue fervido
5 sonhos eróticos
2 canções dos Beatles

Modo de preparar:

Dissolva os sonhos eróticos nos dois litros de sangue fervido e deixe gelar seu coração.

Leve a mistura ao fogo, adicionando dois conflitos de gerações às esperanças perdidas.

Corte tudo em pedacinhos e repita com as canções dos Beatles o mesmo processo usado com os sonhos eróticos, mas desta vez deixe ferver um pouco mais e mexa até dissolver.

Parte do sangue pode ser substituído por suco de groselha, mas os resultados não serão os mesmos.

Sirva o poema simples ou com ilusões.


Só que esse poema, apesar de eu ter um carinho especial por ele, é muito “fácil”. Eliana me orientou a ler poesias desafiadoras, daquelas pra não entender mesmo, que fazem as sinapses cerebrais dançarem loucamente. Então parti para João Cabral de Melo Neto:


Fábula de um arquiteto

A arquitetura como construir portas
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.

2.

Até que, tantos livres o amedrontando,

renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.


A conclusão a que cheguei com minha pesquisa foi a de que existem poesias para todos os gostos: das mais simplórias às mais complexas, das mais secas às que usam e abusam dos efeitos de sonoridade, das mais bem-humoradas às mais lacerantes... E sei que parte do meu trauma vem do fato de no segundo grau meus professores terem delicadamente nos forçado a ler poesias pertencentes ao grupo das mais incompreensíveis para a mente do adolescente médio (a de Behr foi uma feliz exceção). Portanto, me redimo agora e proponho a paz com a poesia.

À propósito... O poema acima de Melo Neto fala sobre ações que tanto podem libertar o homem quanto prendê-lo e isolá-lo. Se alguém entendeu outra coisa, por favor me explica depois.

2 comentários:

Eliana Mara Chiossi disse...

Nanda, querida, há poemas de Cabral que vão de fato fazer suas sinapses dançarem e vão convidar seus neurônios racionais para cair na dança (boa imagem que você criou).
Quero que você leia mais Cabral, e que você se aventure pela poesia de Manoel de Barros, porque é para não entender.
Depois, tem um poeta que estou amando, desses de se ler para não entender, que é Herberto Helder...

Nos vemos amanhã, para fazer mais uma vez, do nosso encontro, uma festa!

Abracinhos felizes!

Aline Barbosa disse...

Nanda, seus textos são ótimos... Sinceramente.

Digamos q meu caso é um pouco parecido com seu... Mas Eliana vai conseguir uma amizade entre nós e as poesias... Pode confiar.

=D

Bjo!
\o7